“Em contrapartida também eu rendi homenagem ao deus do Amor, cujo templo se ergue numa ilha de praias louras e em arco, na areia dourada acariciada pelo mar. E a imagem do deus não é ídolo nem qualquer coisa de visível, mas um som, o puro som da água marinha que entra no templo através dum canal cavado na rocha e que se despedaça numa concha secreta; e ali, devido à forma das paredes e à amplidão da construção, o som reproduz-se num eco infinito que arrebata quem o ouve e causa uma espécie de embriaguez ou de tontura. E a muitos e estranhos efeitos se expõe quem honra este deus, porque o seu princípio comanda a vida, mas é um princípio bizarro e caprichoso; e se é verdade que ele é a alma e a concórdia dos elementos, também pode produzir ilusões, delírios e visões. Eu assisti nesta ilha a espectáculos que me perturbaram pela sua verdade inocente: tanto que tive dúvidas se tais coisas existiam deveras ou se eram antes fantasmas do meu sentimento que saíam de mim e tomavam aparência real no ar porque me tinha exporto ao som enfeitiçado deste deus; e pensando isto, tomei por um caminho que leva ao ponto mais alto da ilha, donde se pode ver o mar de todos os lados.”
ANTONIO TABUCCHI. Mulher de Porto Pim